Entre o Natal e o Ano Novo passados diversos sites e portais noticiaram o sucesso de vendagem da biografia do ex-presidente Lula. Durante a escrita deste texto, 12 de janeiro, a prestigiosa seção de livros mais vendidos da VEJA trazia a obra ainda estava entre os vinte livros mais vendidos do país (11º lugar), sendo o 1º no gênero biografia.
Escrito pelo jornalista Fernando Morais, o livro tem mais de 450 páginas, ricamente ilustrado, foi lido relativamente rápido, entre os intervalos das provas de recuperação final, que como professor de História apliquei no fim do ano passado. A narrativa é envolvente e muito bem escrita. Em alguns momentos, o texto arranca algumas risadas do leitor pela ironia e pelo senso de humor que Morais expressa na sua escrita.
Ao lado de Lira Neto, é provável que Fernando Morais seja um dos maiores biógrafos do Brasil. Jornalista conceituado, passou pelas principais redações de jornais do país, Morais é autor de algumas biografias premiadas, como Chatô (de Assis Chateaubriand, magnata da comunicação) e Olga (de Olga Benário, uma das líderes da Revolução Antifascista de 1935), livros estes que foram adaptados pelo cinema brasileiro. Mesmo sendo conhecido e próximo do biografado há 40 anos, Morais não se furtou a apresentar facetas e contradições de um dos maiores, senão o maior líder popular da história recente do Brasil.
O volume não tem um começo convencional. Morais nos primeiros seis capítulos faz uma narrativa do final de semana do dia 7 de abril de 2018, data da prisão do ex-presidente, até a soltura de Lula, em 8 de novembro de 2019, após 580 dias. Coberta de flashbacks, a biografia traça um panorama preciso e minucioso da vida do biografado entre 2016 e 2019, apresentando detalhes, contradições, inconstâncias quase sempre desconhecidos pelo grande público, inclusive dos mais interessados na vida de Lula, relacionando-os com a história recente do país.
Nos 11 capítulos seguintes, Fernando Morais vai contar a vida de Lula da infância até o ano de 1985. O texto apresenta a vida sofrida do ex-presidente da saída do Nordeste até a vida simples de operário em São Paulo. Mas o foco do texto é na vida política dele, sobretudo da relação com o movimento sindical iniciado no fim da década de 1970, conhecido como “novo sindicalismo”, e com a fundação do PT e da CUT. A escrita do livro traz informações e detalhes pouco conhecidos, como o encontro de Lula, preso pela sua participação nos movimentos grevistas no ABCD paulista, com general e ministro Golbery do Couto e Silva, que foi a São Paulo para interrogar o líder sindical e extrair dele informações relevantes para a estratégia política da ditadura. O livro termina com uma proposta de redação do volume dois a ser lançado em breve, onde as eleições e seus governos serão tratados.
O gênero biografia foi durante muitos anos foi desprezado pela comunidade acadêmica de História. De modo geral até a década de 1980, com raras exceções, como a obra sobre Martinho Lutero escrita pelo historiador Lucien Febvre dos anos 1950, as biografias tinham alguns problemas que incomodavam muito os historiadores. Ou elas tinham um formato hagiográfico (personagem visto como um santo, um herói), ou elas tinham um descolamento do indivíduo da história, na qual os grandes nomes eram apontados como verdadeiros demiurgos, produtores da história. Ideia que ainda bem passou. A biografia ora resenhada não traz esses vícios, muito embora esteja muito clara a admiração que o autor tem em relação ao biografado. Em suma, o livro é um exemplo de como fazer uma interessante biografia com uma narrativa vibrante e confesso que estou na expectativa do lançamento do segundo volume.
(Companhia das Letras, 2021, 75 reais na tabela da editora)
Gabriel Pereira da Silva Bastos, historiador graduado pela Universidade Federal Fluminense, professor do ensino básico e apresentador do podcast Cliocast, do coletivo de divulgação científica Clio História e Literatura
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